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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

AMÁLGAMA DE EMOÇÕES: REGISTRO DO OITAVO ENCONTRO: 16.05.2009

O despertador insistentemente informa: hora de acordar, duvidando um pouco do horário e com vontade de dormir mais só um pouquinho consulto o relógio, são quatro horas e quarenta minutos, sem mais tempo a perder começo os preparativos para a viagem. Antes de terminar de me arrumar falta energia (ainda bem que só depois do banho), procuro a lanterna e logo uma buzina toca lá embaixo.

Hoje temos como companheiros de viagem uma dupla especial: Marta Moraes e esposo. Esta trocou o Piauí pelo Ceará há cinco anos e agora faz sua arte por lá. Marta é poetisa, radialista, considerada a mais bela voz feminina do rádio picoense. Voltou à terrinha para rever os amigos (eu fui eleita "tia" desde que se filiou a UPE - União Picoense de Escritores). Não satisfeita de eu ter deixado a festa surpresa que minhas irmãs havia me preparado cedo demais na noite anterior, ela decidiu que me presentearia com a sua companhia hoje.

Pegamos a estrada um pouco mais tarde, é que fomos buscar a Lêda que já estava a esperar no portão, preocupada com o adiantado da hora.

Cinco horas e quarenta minutos rumamos a Valença, a trilha sonora encanta (Jota Quest, "hoje preciso de você, com qualquer humor... Fagner, canteiros... Caetano etc) e embala os cochilos durante a viagem, em meio uma densa neblina durante percurso Picos-Inhuma. Depois o sol foi despontando em raios incandescentes e a neblina foi esvaecendo.

Antes das sete horas chegamos ao nosso destino, porém como não havia nenhuma cursista na escola, convidamos nossos amigos para um café. Cerca de quarenta minutos depois retornamos, agora com todo gás, prontas para iniciar os trabalhos do dia.

A professora Ivone trouxe-nos um slide maravilhoso que abriu uma boa discussão acerca da tênue linha que separa o possível do impossível de modo geral e no âmbito das necessidades especiais em seguida exibi o slide "Sou educadora de Infância", estabelecendo assim o elo entre as limitações de algumas crianças e o fazer pedagógico embasado na afetividade e no acolhimento, ou seja, saber ouvir o que em silêncio algumas crianças gritam, ler nas entrelinhas as mensagens que elas revelam e aceitar o desafio de educar vencendo nossas próprias limitações, inabilidades e temores.
Outra vez os professores da zona rural, temerosos quanto à volta, pois, as chuvas incessantes vêm deixando as estradas vicinais que dão acesso a cidade intransitáveis, solicitaram o horário corrido com pausa de quinze minutos para o lanche e sem intervalo para almoço, solidários os colegas concordaram. Prevendo esta possibilidade levamos ingredientes para um lanche mais reforçado (flocão de milho, salsichas, margarina etc).

Na sequência iniciamos a abordagem teórica: " Quando a natureza atua." Explanei sobre conceito de eletricidade, a eletricidade estática e eletricidade em movimento, a eletricidade na natureza. Sempre priorizando a participação do pessoal, que ora perguntava, ora acresecentava algo à exposição.

A Marta chega à porta para combinar horário de almoço, convido-a a entrar, apresento-a a turma e peço-lhe que fale um pouco do uso da energia eólica no Ceará onde reside. Ela explanou com muita propriedade sobre a experiência na cidade de Sobral no Ceará e projetos em outras cidades litorâneas. Pela expressão facial dos professores ficou evidente que adoraram a participação relâmpago da Marta. Alguns reconheram a voz dos tempos de âncora no jornalismo do SCP (Sistema de Comunicação de Picos) e agradeceram a presença.

Ás dez horas e trinta minutos fizemos a pausa para o lanche. A merendeira da escola, conforme havíamos combinado, fez uma deliciosa farofa de cuscuz, prato típico da região. A Sandra pegou carona na nossa idéia, mandou comprar os mesmos ingredientes e também ofereceu aos seus cursista do gestar II o mesmo lanche. Todos elogiaram a merenda e vinte minutos mais tarde retomamos nossos trabalhos.

O professor "X" estava atento a exposição para compensar o tempo perdido (além de faltar o último encontro, havia chegado atrasado após o intervalo). Então resolvi provocá-lo ao expor "usinas termoelétricas: vantagens e desvantagens", sobretudo no tocante a degradação ambiental, e os PRADs (planos de recuperação de áreas degradadas), que equivocadamente são entendidos como plantio de qualquer espécie de vegetação, na maioria das vezes sem a preocupação de replantio da vegetação nativa.

Fiz referência a alguns PRADs no estado de São Paulo, (com base na monografia da minha irmã que reside lá, e fez um TCC com este tema há dois anos). Empolgada com o assunto e com a atenção a este dispensada, percebi no meio da explanação os olhos atentos do professor X, voltei-me para ele e indaguei "Estou certa professor?", a turma inteira sorriu... Então ele começou a se pronunciar dizendo ter estado as duas últimas semanas na "Serra dos Carajás". Convidei-o a ficar de pé, entreguei-lhe o marcador e cedi-lhe o lugar, para explanar a respeito de mineradoras e recuperação de áreas já que ele conheceu ao vivo, e eu só através de leituras e fotos. Todos incentivaram: "Vai professor!!!"

Para nossa surpresa o professor não entrou direto no assunto, antes pediu permissão para se pronunciar a respeito da sua ausência. Ora, iniciamos nosso trabalho abordando a questão do saber ouvir, acolher, compreender, contextualizar, logo não poderíamos vetar o pronunciamento do professor. Ele explicou porque não havia comparecido ao último encontro. Na verdade ele não esteve a passeio na Serra dos Carajás... Havia ido resolver um problema de ordem pessoal: tentar encontrar um filho, rapaz de vinte e três anos, do qual se separou quando ainda era um bebê... E agora se encontra desaparecido.

O relato do professor foi emocionado e emocionante, seu ar sério se desfez ao se dirigir a nós "mães" e dizer que entendemos muito do amor e da preocupação excessivos em relação aos filhos. Concordamos, pois, nesta área em particular somos catedráticas... Permanecemos no mais absoluto silêncio.

A história real do colega retratada em detalhes, que não cabe aqui expor, tocou profundamente, não só a mim, mas, a todos os presentes. A expectativa pelo desfecho era imensa, porém, essa história, ainda está a espera do "final feliz"... Ele falou do reencontro com a mãe do seu filho depois de vinte anos e de quão aprazível foi constatar que ela refez sua vida de forma digna ao lado de um companheiro que a ajudou na formação do filho. Os três irmanados neste momento de angústia buscam a solução para problema... Faltaram-lhe palavras...

No impulso convoquei aqueles que quisessem a ficarem de pé e juntos fazer uma oração, todos se levantaram de imediato. Iniciei a oração falando diretamente com Deus aquilo que o meu coração ditava e depois de mãos dados rezamos o Pai Nosso. Vi lágrimas furtivas rolando na face das pessoas. Tentei me conter e segurar as minhas que estavam prestes a desabar torrencialmente. Discorri sobre a fragilidade dos nossos sentimentos, mas acima de tudo da nossa confiança em Deus.

O professor X, refeito do momento de emoção, falou sobre a Vale do Rio Doce e as áreas recuperadas em detalhes, pois havia visitado e conferido como se efetiva o procedimento de recuperação.Tão logo terminou sua explanação agradeceu pelo espaço e pela nossa solidariedade.

Em meio esta amálgama de emoções eu descobri um ser humano que não conhecia e posso inferir que o nível de amizade desta turma avançou muito, ou seja, houve uma evolução crescente concernente à Pedagogia do afeto.

Leda continuou a exposição teórica ao final desta, exibi um slide que uma das minhas irmãs residente em Tocantins havia me enviado na noite anterior... O pai angustiado entendeu a mensagem e pareceu-me mais confiante à espera do desfecho feliz do caso.

Em seguida propusemos as experiências... Nem preciso dizer que a agitação foi geral, bolões sendo friccionados na cabeça, bonequinhos de papel colando nos balões... Circuitos aberto e fechados em um apaga/acende contínuo sob olhares perplexos. Professoras com bússolas nas mãos, dizendo ser a primeira vez que tem esta oportunidade... Correntes elétricas representadas em pulseiras de bolinhas... Sensações indescritíveis...

As quatorze horas os professores da zona rural estavam em polvorosa, havia prenúncio de chuva no céu. As vans estavam a postos, um dos motoristas (Novo Oriente) veio até a sala adverti-los quanto a inviabilidade de transitar em alguns trechos depois da chuva. Fato este que hoje resultou na ausência da professora Edna. Sugerimos a elaboração dos registros e meia hora depois estávamos a sós, a Lêda e eu.

Tão logo a Lêda ligou nossos companheiros de viagem vieram nos pegar, foi só o tempo de devolver o equipamento multimídia para o locador, nos despedimos da Sandra e voltamos ao centro da cidade, como de costume, guardar o material excedente e pegar nossos objetos de uso pessoal.

Preferimos descer a serra com a luz do dia a parar para outra refeição, pois o lanche tipicamente nordestino tinha nos roubado a fome do almoço, por outro lado, a Francisca (cursista) havia nos pedido uma carona até Picos, não era de bom tom deixá-la esperando por tanto tempo.

Amelinha, Belchior, Gilberto Gil, Emilio Santiago, Milton Nascimento cantaram durante o nosso retorno. A Marta preparou uma seleção das melhores músicas que eu tocava no meu programa de rádio compondo assim a trilha sonora desta viagem, acompanho Amelinha nos "mistérios do amor", peço "bis", porém Lêda reclama diz querer ouvir outras músicas.

Contemplo a paisagem e comento com Francisca a beleza dos morros ao longe e das flores de jurema que enfeitam a margem da estrada, ela me mostrou uma pedra no formato de sofá, apesar das inúmeras vezes que percorri este caminho com destino a Teresina e agora a Valença, não conhecia este monumento natural.

Percebi que ela tem um pouco da minha "maluquez" e então comecei a apontar as diferentes imagens que as nuvens formam, passamos a viagem inteira nesta brincadeira e encontramos no céu: carneirinhos, galinha, cachorro, pássaro voando, bebê engatinhando e muitas outras coisas que as nuvens desenhavam para nós. Foi então que Francisca encontrou nos desenhos etéreos "a nuvem de algodão" que sua mãe fazia na sua infância. Ela fez um relato das vivências do tempo de criança.

Oriunda de família pobre de treze irmãos viveu sua infância e adolescência em uma pequena comunidade da zona rural trabalhou na roça, carregou água na cabeça (não em peneira, em latas e cabaças), retirada dos olhos d'água da região em que morava, lavou roupa nos grotões.

Quanto às "nuvens de algodão" ela explicou: a mãe fiava e tecia redes, relatou em minúcias como funcionava o processo descaroçar o algodão, estendê-lo em esteira (feita de tranças de palhas de carnaúba), dispor o algodão no fuso e no tear. Eu estava completamente embevecida, elaborando mentalmente a imagem do fuso, do tear.

Ah! Preciso confessar que tive inveja de Francisca, pois, apesar de ter vivido mais de dez anos em uma comunidade do interior (morava com uma irmã da minha mãe, que me levou quando minha mãe esteve muito doente por uma semana e não mais devolveu, só voltei a morar com meus pais, já adolescente), não tive metade dessa vivência, pois eu era a bonequinha de porcelana dos meus pais adotivos que não tinham filhos.

O mais tocante da história de Francisca e que ela andava todos os dias três léguas (18 km) a pé para freqüentar a escola, o material escolar consistia em um caderno que dividia com a irmã. Ambas percorriam o caminho diariamente com seus vestidos de chita, fazendo confidências e planos para o futuro, ou seja, sonhando com uma vida melhor. Estudava para as provas socando milho, arroz, café etc. no pilão com o caderno posicionado a altura dos olhos. Notei certa melancolia no relato de Francisca, é que sua família mudou-se para São Paulo, aqui ficou além dela, a irmã companheira de caminhos e da vida, mesmo assim morando em outra cidade. Francisca casou-se aos dezenove anos, estudou e depois de mãe de três filhas conseguiu fazer um curso superior.

A saudade tem sido sua companheira além dos pais e irmãos tão distantes, as filhas já não moram com ela todas estudam fora (uma em Teresina e duas em Picos). A sua vinda a Picos tinha o mais nobre dos propósitos: amenizar a saudade e angústia de um coração materno. por isso ao chegarmos a Capital do Mel fomos primeiro deixar Francisca, afinal ela tinha muito mais pressa do que nós para estreitar em seus braços suas filhas, o que já não fazia há algum tempo e nós (Leda e eu) fizemos isso na noite anterior.

Esta formação tem se constituído por excelência em espaço de aprendizado para mim. Tenho ouvido muitas histórias e refletido muito sobre diferentes formas de vida. Gostaria muito de ter chegado às mentes dos nossos cursistas com esta mesma gama de informações e de ter contribuído na construção de novos conhecimentos com a autenticidade que sustente a aplicabilidade. Não sei o que vou deixar ao término dos encontros, mas, sei muito bem o levo.

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