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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Os órfãos do Cajueiro

Foto:  Josimar Santana

Dezembro chegou e trouxe consigo as reminiscências inerentes a essa época do ano. Este dezembro de 2012 traz uma temática remanescente de outubro, a orfandade dos filhos do cajueiro.
Durante os meses de outubro, novembro e dezembro os moradores da Rua do Cajueiro vem percorrendo uma via-crúcis em prol da manutenção deste nome.  
A mobilização é encabeçada pelo radialista Josimar Santana e a Agente de Saúde Karina Bonfim, que representam “Os filhos do Cajueiro”, os que nasceram e vivenciaram todas as peripécias da infância, adolescência e juventude embalados pela poesia bucólica que o nome da rua traduz.
Na verdade os líderes do movimento emprestam as suas vozes aos moradores de agora e de outrora e aos filhos do Cajueiro espalhados mundo a fora. Rebuscando a história da Rua do Cajueiro constata-se o abraço da história com a poética, expressos em relatos emocionantes como os que se seguem:

Quando cheguei a esta rua, em 1958, existia apenas duas casas, o dono dos terrenos era seu José Paulo Batista, de quem comprei o terreno e construí a minha casa, aqui edifiquei o meu lar, criei os meus filhos. No documento (escritura) de compra do imóvel constava e consta “Rua do Cajueiro”.   
O título que nomeava a rua tinha uma razão de ser, pois, foi uma homenagem a um grande e belo cajueiro que existia e servia de abrigo aos futuros moradores que por lá se instalavam durante as construções de suas residências. E depois de edificarem suas moradias costumavam sentar-se à sombra da frondosa árvore ao entardecer para conversar com os vizinhos. (PLÌNIO ANTÕNIO DA NASCIMENTO, 2012)

A senhora Maria Joana de Moura Santana também evoca memórias que datam de 1975 para justificar a permanência do nome Rua do Cajueiro:

Quando cheguei aqui em 1975, recebi os documentos da minha casa situada à rua do Cajueiro. Nessa época ainda existia o pé de cajueiro e eu mesma preparei as refeições dos trabalhadores que fizeram minha casa à sombra da bela árvore. Também armávamos redes para descansar ao meio dia. Ele foi nosso abrigo, até que minha casa ficasse pronta. Nos finais de semana, as famílias se reuniam à sombra dele e fazíamos piqueniques e até festas de aniversários. Aliás, toda festa que tinha na rua tinha no cajueiro um acolhimento especial.(MARIA JOANA M. SANTANA)

Mariquinha reside na rua desde 1978 e, protesta dizendo que é uma falta de respeito para com eles que começaram a história e a povoação da rua. E ressalta que nos registro de recolhimento de IPTU consta “Rua do Cajueiro”.
O relatos emocionados dos moradores indubitavelmente remete a reflexão feita pelo Pe. Fábio de Melo na obra intitulada “Quem me roubou de mim?”

ALGUÉM
Alguém me levou de mim
Alguém que eu não sei dizer
Alguém me levou daqui.
Alguém, esse nome estranho.
Alguém que eu não vi chegar
Alguém que eu não vi partir
Alguém, que se alguém encontrar,
Recomende que me devolva a mim.  (MELO, 2008, p. 10)

Os antigos moradores afirmam que este nome existe há mais de meio século e foi modificado por força de projeto de lei do ano de 1987, de autoria do então vereador Filandro Portela Neto, o popular Ducha. Tal projeto alterou o nome do logradouro  para Antônio Bonfim, que segundo os moradores trata-se de alguém que morou na referida rua por três anos que não tinha registro de nenhum imóvel e nada fez em prol de seus moradores.  
Os habitantes da rua não foram consultados, foram surpreendidos por vontade de um político, cujos interesses eleitoreiros não foram justificados. Foram traídos na sua ingenuidade, foram subtraídos na sua subjetividade. Tiveram a história e a subjetividade sequestradas. “É sequestro da subjetividade cada vez que o sujeito é desconsiderado como organismo vivo, colocado na condição de mecanismo, objeto manuseável.” (MELO, 2008, p, 10)
 Apesar da vigência de tal projeto, o povo ignorou a transição de nomes e continuou a utilizar a designação antiga, portanto, permaneceram todos à sombra do Cajueiro. Entretanto, a partir da implantação do novo sistema de endereçamento postal alguns transtornos foram surgindo em relação à incompatibilidade de endereços, nas inscrições de concursos e nas compras realizadas via internet.
Em virtude de tais transtornos, os prejudicados pleitearam junto ao poder público municipal, por meio de um projeto de lei apresentado pelo Vereador Didi Mocó, a permanência do nome tradicional da rua. Contudo, os cidadãos que compareceram a Câmara de vereadores foram ignorados e vilipendiado no seu sagrado direito de subjetivar-se.
A maioria dos vereadores fez pouco caso do dilema vivenciado por Seu Plínio e seus oitenta e três anos de história. Um representante do legislativo, (quem Deus o perdoe pela ignorância!) argumentou que não se deve nomear logradouros com nome de árvores. Ele não foi informado que o nome do país é BRASIL em homenagem ao pau-brasil, que o bairro Junco tem esse nome justamente em virtude  da vegetação, que “AROEIRA” é também árvore. Isso sem falar em cidades nomeadas por Cajazeiras, (PA), Juazeiro (CE e BA), Palmeiras, Palmeirais e Buritis (PI) e ainda ruas, avenidas e residenciais, como: Alameda dos Ipês (SP),  Residencial Jardim dos Ipês em Brasília  e tanto outros.
A mobilização continua, mas, a sociedade picoense permanece inerte, tal qual a situação descrita no poema abaixo:

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.  (BERTOLD BRECHT)

Aos que fazem a casa do povo picoense um alerta, Seu Plínio tem 83 anos e deseja apenas continuar residindo sob a sombra do cajueiro evocada em suas memórias e um pouco de conhecimento acerca da literatura, história e geografia não fará mal a nenhum de vocês.
Aos demais um lembrete: “eles podem invadir o seu quintal” a qualquer momento e assim como você não se importou quando os órfãos do cajueiro foram amordaçados, vilipendiados e tiveram sequestrados a subjetividade, a identidade e o memorial de vida, ninguém se importará com você.
Aos órfãos do cajueiro uma certeza: eles podem subtrair seus direitos, jamais a memória de uma família que por tanto tempo viveu à sombra do Cajueiro. Continuem na luta pela identidade!!!!


Foto:  Josimar Santana



REFERÊNCIAS

MELO, Fábio. Quem me roubou de mim?: o sequestro da subjetividade e o desafio de ser pessoa. São Paulo - SP: Editora Canção Nova, 2008.

BRECHT, Bertold. Intertexto. disponível em: http://projetos.unioeste.br/projetos/leitura/arquivos/oficinas/texto08.pdf

FONTES ORAIS

NASCIMENTO, Plínio Antonio. Entrevista concedida a Josimar Santana. Picos- PI, 2010. 

SANTANA, Maria Joana de Moura.Entrevista concedida a Josimar Santana. Picos- PI, 2010.





Um comentário:

Márdila disse...

Meu sentimento de força e luta para os moradores e filhos da rua do cajueiro. Continuem na luta meus amigos ;)