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Foto: Josimar Santana |
Dezembro chegou e trouxe
consigo as reminiscências inerentes a essa época do ano. Este dezembro de 2012 traz
uma temática remanescente de outubro, a orfandade dos filhos do cajueiro.
Durante os meses de outubro,
novembro e dezembro os moradores da Rua do Cajueiro vem percorrendo uma via-crúcis
em prol da manutenção deste nome.
A mobilização é encabeçada
pelo radialista Josimar Santana e a Agente de Saúde Karina Bonfim, que representam
“Os filhos do Cajueiro”, os que nasceram e vivenciaram todas as peripécias da infância,
adolescência e juventude embalados pela poesia bucólica que o nome da rua
traduz.
Na verdade os líderes do
movimento emprestam as suas vozes aos moradores de agora e de outrora e aos
filhos do Cajueiro espalhados mundo a fora. Rebuscando a história da Rua do Cajueiro
constata-se o abraço da história com a poética, expressos em relatos
emocionantes como os que se seguem:
Quando cheguei a esta
rua, em 1958, existia apenas duas casas, o dono dos terrenos era seu José Paulo
Batista, de quem comprei o terreno e construí a minha casa, aqui edifiquei o
meu lar, criei os meus filhos. No documento (escritura) de compra do imóvel constava
e consta “Rua do Cajueiro”.
O título que nomeava a
rua tinha uma razão de ser, pois, foi uma homenagem a um grande e belo cajueiro
que existia e servia de abrigo aos futuros moradores que por lá se instalavam durante
as construções de suas residências. E depois de edificarem suas moradias
costumavam sentar-se à sombra da frondosa árvore ao entardecer para conversar
com os vizinhos. (PLÌNIO ANTÕNIO DA NASCIMENTO, 2012)
A senhora Maria Joana de
Moura Santana também evoca memórias que datam de 1975 para justificar a permanência
do nome Rua do Cajueiro:
Quando cheguei aqui
em 1975, recebi os documentos da minha casa situada à rua do Cajueiro. Nessa
época ainda existia o pé de cajueiro e eu mesma preparei as refeições dos
trabalhadores que fizeram minha casa à sombra da bela árvore. Também armávamos
redes para descansar ao meio dia. Ele foi nosso abrigo, até que minha casa
ficasse pronta. Nos finais de semana, as famílias se reuniam à sombra dele e fazíamos
piqueniques e até festas de aniversários. Aliás, toda festa que tinha na rua
tinha no cajueiro um acolhimento especial.(MARIA JOANA M. SANTANA)
Mariquinha reside na rua desde 1978 e, protesta dizendo que é uma falta de respeito para com eles que começaram a história e a povoação da rua. E ressalta que nos registro de recolhimento de IPTU consta “Rua
do Cajueiro”.
O relatos emocionados dos
moradores indubitavelmente remete a reflexão feita pelo Pe. Fábio de Melo na
obra intitulada “Quem me roubou de mim?”
ALGUÉM
Alguém me levou de mim
Alguém que eu não sei dizer
Alguém me levou daqui.
Alguém, esse nome estranho.
Alguém que eu não vi chegar
Alguém que eu não vi partir
Alguém, que se alguém encontrar,
Recomende
que me devolva a mim. (MELO, 2008, p. 10)
Os antigos moradores afirmam
que este nome existe há mais de meio século e foi modificado por força de projeto
de lei do ano de 1987, de autoria do então vereador Filandro Portela Neto, o
popular Ducha. Tal projeto alterou o nome do logradouro para Antônio Bonfim, que segundo os moradores
trata-se de alguém que morou na referida rua por três anos que não tinha
registro de nenhum imóvel e nada fez em prol de seus moradores.
Os habitantes da rua não
foram consultados, foram surpreendidos por vontade de um político, cujos
interesses eleitoreiros não foram justificados. Foram traídos na sua
ingenuidade, foram subtraídos na sua subjetividade. Tiveram a história e a
subjetividade sequestradas. “É sequestro da subjetividade cada vez que o sujeito
é desconsiderado como organismo vivo, colocado na condição de mecanismo, objeto
manuseável.” (MELO, 2008, p, 10)
Apesar da vigência de tal
projeto, o povo ignorou a transição de nomes e continuou a utilizar a designação
antiga, portanto, permaneceram todos à sombra do Cajueiro. Entretanto, a partir
da implantação do novo sistema de endereçamento postal alguns transtornos foram
surgindo em relação à incompatibilidade de endereços, nas inscrições de
concursos e nas compras realizadas via internet.
Em virtude de tais
transtornos, os prejudicados pleitearam junto ao poder público municipal, por
meio de um projeto de lei apresentado pelo Vereador Didi Mocó, a permanência do
nome tradicional da rua. Contudo, os cidadãos que compareceram a Câmara de
vereadores foram ignorados e vilipendiado no seu sagrado direito de
subjetivar-se.
A maioria dos vereadores fez
pouco caso do dilema vivenciado por Seu Plínio e seus oitenta e três anos de
história. Um representante do legislativo, (quem Deus o perdoe pela ignorância!)
argumentou que não se deve nomear logradouros com nome de árvores. Ele não foi
informado que o nome do país é BRASIL em homenagem ao pau-brasil, que o bairro
Junco tem esse nome justamente em virtude da vegetação, que “AROEIRA” é também árvore.
Isso sem falar em cidades nomeadas por Cajazeiras, (PA), Juazeiro (CE e BA), Palmeiras, Palmeirais e Buritis (PI) e ainda ruas, avenidas e residenciais, como: Alameda dos Ipês (SP), Residencial Jardim dos Ipês em Brasília e tanto outros.
A mobilização continua, mas,
a sociedade picoense permanece inerte, tal qual a situação descrita no poema
abaixo:
Primeiro levaram os
negros
Mas não me importei
com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram
alguns operários
Mas não me importei
com isso
Eu também não era
operário
Depois prenderam os
miseráveis
Mas não me importei
com isso
Porque eu não sou
miserável
Depois agarraram uns
desempregados
Mas como tenho meu
emprego
Também não me
importei
Agora estão me
levando
Mas já é tarde.
Como eu não me
importei com ninguém
Ninguém se importa
comigo. (BERTOLD BRECHT)
Aos que fazem a casa do povo
picoense um alerta, Seu Plínio tem 83 anos e deseja apenas continuar residindo
sob a sombra do cajueiro evocada em suas memórias e um pouco de conhecimento acerca
da literatura, história e geografia não fará mal a nenhum de vocês.
Aos demais um lembrete: “eles
podem invadir o seu quintal” a qualquer momento e assim como você não se
importou quando os órfãos do cajueiro foram amordaçados, vilipendiados e tiveram sequestrados a
subjetividade, a identidade e o memorial de vida, ninguém se importará com você.
Aos órfãos do cajueiro uma
certeza: eles podem subtrair seus direitos, jamais a memória de uma família que
por tanto tempo viveu à sombra do Cajueiro. Continuem na luta pela identidade!!!!
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Foto: Josimar Santana |
REFERÊNCIAS
MELO, Fábio. Quem me roubou de mim?: o sequestro da subjetividade e o desafio de ser pessoa. São Paulo - SP: Editora Canção Nova, 2008.
BRECHT, Bertold. Intertexto. disponível em: http://projetos.unioeste.br/projetos/leitura/arquivos/oficinas/texto08.pdf
FONTES ORAIS
NASCIMENTO, Plínio Antonio. Entrevista concedida a Josimar Santana. Picos- PI, 2010.
SANTANA, Maria Joana de Moura.Entrevista concedida a Josimar Santana. Picos- PI, 2010.