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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Cotidianidades: memórias do rádio.

 
No decorrer do mês de janeiro, o recital 99[1] foi relembrado por várias vezes. Isso me levou a refletir acerca da força do rádio, e de como ele influencia e marca a vida das pessoas, mesmo em um tempo em que vivenciamos o apogeu das tecnologias da comunicação e informação.  
 Numa tarde qualquer deste mês, estava em casa conversando com Márcia[2], acadêmica de História da UFPI, sobre a pesquisa que ela está fazendo voltada à história do rádio picoense para o embasamento do seu tcc. Ela veio com o intuito de me entrevistar, porém, como não tenho conhecimento apurado acerca do tema, acabamos por divagar sobre cotidianidades nas ondas do rádio. Discorremos acerca de vários temas inluindo as lembranças do Recital 99 curiosidades e situações inusitadas.
Lembrei-me de certa vez que fui à visita de um ano de falecimento,da irmã de uma amiga em outra cidade, e durante a reza me senti incomodada com comentários que algumas moças faziam baixinho e olhavam na minha direção. Continuei rezando, cantando e ao final as moças se dirigiram a mim e uma perguntou? “A senhora é Ana Maria Coutinho?” Desconfiada, respondi: “Sou por quê? Eles responderam em coro: “Nós somos ouvintes do seu programa!” [...] “Gostamos demais daquelas mensagens, das poesias, das músicas...”  Até que uma perguntou: Como é mesmo aquela história do  Narciso que a senhora contou para o Dênis (operador de áudio) quando tocou a música de Caetano Veloso?” E antes que eu respondesse a outra perguntou: Quem é mesmo a cabeleireira que a senhora disse que faz sua cabeça? E justificou: “É que eu quero ir arrumar meu cabelo , se a senhora vai e porque ela é boa mesmo!” Conversamos sobre diversos assuntos abordados no Recital 99, convidados que estiveram no programa e uma delas elogiou a participação de Graça Moura, outra afirmou que trechos  de obras literárias que apresentei nos programas foram questões de vestibular.
Passado algum tempo despedi-me de minhas ouvintes, estava na hora de voltar a Picos. No percurso de volta fiquei refletindo sobre o ocorrido, a importância do rádio como veículo de comunicação de  informação e formação e a influência deste no cotidiano das pessoas. 
Depois de reportar-me a este episódio, perguntei a Márcia porque ela escolheu “o rádio picoense” como tema para seu trabalho de conclusão de curso? Foi então que ela me surpreendeu como com a resposta : uma história de amor com o programa “Correspondente do interior” da grade de programação da Rádio Difusora. Eis aí seu relato na íntegra, porém, é impossível traduzir a emoção expressa em cada palavra:

"Eu tenho uma admiração profunda pelo programa “Correspondente do Interior” e pelo seu primeiro apresentador, José Elpídio, temos um elo marcante, uma história de vida, da minha vida!
Eu nasci em 15 de maio de 1989, aqui em Picos, as famílias dos meus pais estavam apreensivos, porque minha mãe teve problemas, assim que terminou a cesárea, em meio à alegria e empolgação meu pai lembrou que precisava avisar a família residente em São Cristóvão (hoje localidade do município São Luís do Piauí).
Naquele tempo a comunicação era difícil, lá não tinha serviço de correios, telefone então, só tinha aqui Picos. Meu pai não teve dúvida, se dirigiu à Rádio Difusora de Picos e mandou passar o aviso no “Correspondente do interior”. E assim eu fui anunciada na voz de José Elpídio, através das ondas sonoras da Difusora de Picos:
‘Atenção familiares de Maria Helena de Araújo Sousa em Curralinho, município de Pimenteiras e São Cristóvão, município de São João da Canabrava. Antonio Francisco de Sousa avisa que a mesma ganhou neném e ambas passam bem, sendo a criança do sexo feminino e o parto cesariana.’
Meus parentes contaram da alegria e do alívio que sentiram ao ouvir a notícia, e meu tio brincou muito tempo comigo dizendo: “Esta é a famosa Márcia, anunciada pelo rádio!”
Esta é uma lembrança que guardarei por toda a minha vida, pena que eu não tenha uma gravação. Fico imaginando com seria a voz do locutor? Qual entonação ele deu ao texto? E se na hora ele percebeu a dimensão daquele aviso? O anúncio de uma vida, minha vida! Por isso, escolhi este tema para minha monografia e apesar da escassez de fontes, não pretendo mudar o tema. Vou entrevistar o apresentador e direi o porquê da minha escolha." (Márcia  Sousa)
 Márcia terminou seu relato e foi embora... Deixando-me imersa em lembranças, nostalgia e reflexões concernentes a esse elo de amor e emoção como o rádio picoense, especificamente, com o programa Correspondente do interior. Quantos elos como esse haverá espalhados por ai? Quantas histórias de amor, de aflição, de tristeza, de alegria de emoção e de vida há por trás do Programa Correspondente do interior?
Semelhante ao anúncio do nascimento dela, José Elpídio fez inúmeros... Pessoas ligavam de São Paulo para avisar a família do nascimento de novos membros, das chegadas, das partidas, e assim nos recantos mais longínquos alguém recebiam noticias de seus entes-queridos. 
Lembro-me da gênese da emissora, de alguns programas, de alguns apresentadores, como o próprio José Elpídio (Correspondente do interior) e Erivan Lima (Manhã total), cada um no seu estilo conseguiu, sem pretensão, formar a dupla mais respeitada e amada na história do rádio picoense. 
E pensar que naquela época, apesar do rádio ligado durante todo o dia, e da admiração que eu nutria pelos apresentares, do orgulho que sentia de dizer que morava nas imediações da emissora, eu sequer imaginava o entrelace de valores: histórico, cultural, social e econômico que estaria por trás desse veículo de comunicação.
 No auge da adolescência eu só percebia o aspecto de entretenimento, sequer poderia imaginar a imensurável contribuição da emissora na tecitura de tantas histórias e na tessitura da sociedade picoense.
Relembrando a quantidade de cartas, telefonemas e visitas que recebi durante pouco mais de um ano com programa de uma hora diária, numa rádio de pouco alcance, concluo que, impossível seria mensurar a magnitude da trajetória desses dois locutores, ícones da comunicação radiofônica picoense, tampouco, registrar as tantas histórias vivenciadas e propagadas pelas ondas sonoras da Rádio Difusora de Picos.



[1] Programa elaborado e apresentado por Mim (Ana Maria Coutinho Feitosa) na Rádio Comunitária Junco FM
[2] Márcia de Araújo Sousa

6 comentários:

Unknown disse...

É realmente impossível não me remeter aqueles tempos, e a trilha sonora do correspondente do interior? Quem não lembra, a nossa mãe sempre acompanhava, começa a música ela já mandava a criançada se calar, quem sabe não tinha aviso de pessoas conhecidas?
Creio que apesar de toda a tecnologia, ainda há, quem escute, aprecie e precise do "Correspondente do Interior". Parabéns pelo o artigo mana, você conseguiu colocar emoção na história relatada... Deus te abençoe sempre... Beijos

Leal Costa disse...

Caríssima, as nossas vidas são marcadas por essas "trilhas sonoras", porém poucos conseguem sentir a nuância desses sons, e transfor esses momentos em poesia. Eu não só amava esse programa, mas também o imitava, quando brincava de rádio em minha casa usando um coador de café. Esse "som" ele embalou minha infância, quando eu passava férias no Interior da família, e ali eu bricava e "trabalhava" na roça com meus familiares...Bons "invernos" aqueles...Poças de lama,milho verde, feijão-de-corda-, melancia, ainda eu colocava o gado no curral, dava água aos animais...E a Rádio Difusoura era quem embalava esses momentos...Eu sabia das festas com Agenor de Quinca, e muitas vezes ria muito:"Não levem armas, pois a policia estará presente..."

leda gomes disse...

Lembro-me muito bem do programa Correspondente do Interior, este programa prestou um notável serviço as comunidades interioranas. Quando o serviço de telefonia ainda era escasso, todas as pessoas mandavam suas mensagens através do Correspondente. Lá no meu interior, por exemplo, quando alguém vinha a Picos doente, o acompanhante passava o aviso falando do estado de saúde, se era caso de internação, se precisava de dinheiro ou qualquer outra coisa.
o Correspondente também transmitia avisos de festas e até noticias de pessoas que moravam em São Paulo
que ligavam para a emissora.A relevância deste programa é imensurável pois, durante muito tempo ele foi o porta-voz das pessoas que moram em comunidades distantes. e ainda hoje deve ser.
LÊDA GOMES. 03/01/2011

Unknown disse...

Nunca esqueci do programa Correspondente do Interior e de seu apresentador Zé Elpídio, lembro me ainda criança de nove anos ficava esperando ouvir a trilha sonora do programa e corria para casa, ao chegar ia almoçar ouvindo a voz mais popular daquele momento.
Pense como tudo era divertido! E principalmente os avisos para pessoas de toda a região que nós conhecíamos.
Ex: Quando meu irmão José Raimundo chegou de Juazeiro da Bahia em 1986, ouvimos o seguinte aviso:
"Atneção Dona Inácio e seu Raimando na localidade Vaca morta municipio de Picos, seu filho José chegou hoje pela manha de Juazeiro da Bahia e fez boa viagem, logo mais a tarde estará chegando aí".
Nesse momento houve muitos abraços, choro e muita alegria, afinal havia mais de três anos que José estav afora de casa.
José Elpídio foi aasim uma espécia de porta vóz de uma boa nova. Como esquecer dos serviços prestados pelo Correspondente do Interior?

Anônimo disse...

Quando li este arquivo sobre o rádio, de imediato lembrei do meu papai que sempre ouvia o correspondente do interior todos os dias no rádio a pilha, ao lado do seu ouvido, mesmo cansado do trabalho da roça.

Cinthya Rocha disse...

O rádio realmente considero como um do mais importantes meios de comunicação, porque ele nos estimula, mexe com nossa imaginação, pois diferente da televisão que nos mostra já "tudo pronto", o rádio mexe com nossos sentidos e com nossas emoções também.
O programa "Correspondente do interior" certamente é um marco na história do rádio picoense, servindo como elo de comunicação e de aproximação entre as pessoas, informando emocionando e cativando todos os seus fiéis ouvintes.
Certamente conhecer a história deste programa e do rádio em picos é um mergulho na história do povo picoense.